Introdução: A Banalização de uma Ciência Estratégica
Vamos ser honestos: o marketing de hoje está irreconhecível. O que antes era uma disciplina estratégica, fundamentada em princípios sólidos e análises profundas, transformou-se em um circo de táticas superficiais e métricas vazias. A velocidade das mudanças é vertiginosa, mas será que isso justifica a banalização que testemunhamos?
Não me entenda mal. A evolução é necessária e bem-vinda. Mas quando vejo “especialistas” reduzindo o marketing a hashtags, vídeos e compreensão de algoritmos em redes sociais, sem qualquer consideração dos fundamentos que sustentam a disciplina, não posso deixar de me indignar. O marketing é muito mais que isso.
Neste artigo, vamos mergulhar no verdadeiro dinamismo do marketing atual, desmistificando conceitos, analisando sua evolução acelerada e expondo como a revolução tecnológica e o poder dos dados estão redefinindo o campo – para o bem e para o mal.
A Evolução Acelerada do Marketing: De Kotler 1.0 a 6.0

A trajetória do marketing moderno pode ser traçada através das obras seminais de Philip Kotler, considerado o pai da disciplina. O que chama atenção não é apenas a evolução dos conceitos, mas a aceleração brutal dessa evolução, o que fica claro quando analisamos o período que separa o lançamento de seus livros.
Kotler lançou vários livros com intuito de explicar o marketing da época, o primeiro deles foi em 1999, uma obra chamada Marketing para o Século XXI, e então, 11 anos depois, ele lançou o Marketing 3.0, em 2010, 6 anos depois lançou o Marketing 4.0, 5 anos depois lançou o Marketing 5.0 e então mais 5 anos se passaram até o lançamento do seu último livro, até então, o Marketing 6.0.*
O tempo do primeiro para o segundo demorou 11 anos, e o último apenas 5, menos da metade. Isso demonstra a velocidade das mudanças no marketing e o quanto temos que nos adaptar.
Para entender um pouco melhor sobre quais foram estas mudanças, usarei o próprio conteúdo de Kotler, descritos em seus livros:
Marketing 1.0: Centrado no Produto (Até 1950)
Nesta era inicial, o foco estava exclusivamente no produto e na produção em massa. As empresas se preocupavam em desenvolver produtos de qualidade e distribuí-los em larga escala. A comunicação era unidirecional e o consumidor era visto como um mero comprador.
Marketing 2.0: Centrado no Consumidor (1950-2000)
Com o surgimento da era da informação, o consumidor ganhou poder. O Marketing 2.0, formalizado nas primeiras edições de “Administração de Marketing” de Kotler (1967), trouxe a segmentação e o posicionamento como elementos centrais.
Marketing 3.0: Centrado em Valores (2000-2010)
Em 2010, Kotler lançou “Marketing 3.0: As Forças que Estão Definindo o Novo Marketing Centrado no Ser Humano”, introduzindo uma abordagem mais holística, onde valores, propósito e impacto social ganharam destaque.
Marketing 4.0: Integração Digital (2010-2020)
Com o lançamento de “Marketing 4.0: Do Tradicional ao Digital” em 2017, Kotler reconheceu a revolução digital e a necessidade de integrar o online e o offline. A conectividade e o engajamento tornaram-se elementos centrais.
Marketing 5.0: Tecnologia para a Humanidade (2020-2023)
Em 2021, “Marketing 5.0: Tecnologia para a Humanidade” trouxe a inteligência artificial e a tecnologia como ferramentas a serviço da humanização das marcas. A personalização em massa e a análise preditiva ganharam destaque.
Marketing 6.0: Metamarketing (2023-presente)
O mais recente conceito aborda o “Metamarketing” – a criação de experiências imersivas que integram o físico e o digital, transcendendo a mera venda de produtos.
É impressionante como, em menos de 15 anos, passamos do Marketing 3.0 ao 6.0. Esta aceleração vertiginosa reflete a transformação digital da sociedade, mas também expõe a superficialidade com que muitos profissionais abordam mudanças tão profundas.
A Revolução da IA no Marketing: Promessas
A inteligência artificial está transformando o marketing de maneiras que nem mesmo Kotler poderia prever completamente. Segundo um estudo da Harvard Business School, profissionais que usam IA têm um ganho médio de 25% em produtividade.
Mas vamos ser sinceros: a maioria das empresas está usando IA no marketing de forma completamente equivocada.
Personalização
A IA permite níveis de personalização sem precedentes, analisando comportamentos e preferências em tempo real. O que faz com que o cliente se sinta mais próximo da marca.
Automação
Chatbots, email marketing automatizado, otimização de lances em publicidade… A automação promete eficiência, tendo mais alcance e excelentes conversões.
Criação de Conteúdo: Quantidade x Qualidade
A IA generativa está inundando o mercado com conteúdo produzido em massa. Textos, imagens e até vídeos gerados automaticamente dominam as estratégias de marketing digital.
Facilita a produção, mas a democratização fez o marketing parecer fácil e o resultado disso é o baixo impacto onde realmente importa, na receita.
Dados: O Novo Petróleo ou o Novo Plástico?

“Dados são o novo petróleo” – esta frase se tornou um clichê no marketing. Mas talvez dados sejam mais como o plásticos: úteis, mas precisam ser moldados para isso, e se esquecidos no canto, apenas ocupam espaço.
Decisão Baseada em Dados
O marketing moderno venera os dados. Mas a verdade inconveniente é que os dados são bons apenas quando fazemos as perguntas certas a eles.
É frustrante ver empresas tomando decisões baseadas em correlações espúrias, métricas de vaidade e dashboards impressionantes que não respondem às questões realmente importantes. Isso quando os utilizam.
Segmentação sem organização?
A microssegmentação baseada em dados promete mensagens mais relevantes para públicos específicos. Na prática, muitas vezes resulta em mensagens sem conexão com o consumidor, simplesmente porque os dados não estavam organizados, ou estavam falhos.
A Obsessão por Métricas
ROI, CAC, LTV, CTR, CPC… O alfabeto de siglas do marketing digital criou uma geração de profissionais obcecados por números, mas desconectados do propósito maior da disciplina.
É desolador ver estratégias de marketing reduzidas a otimizações incrementais de métricas de curto prazo, sacrificando a construção de marca, a fidelização genuína e o impacto positivo.
*Falamos sobre isso na nossa análise do Marketing da F1: https://orcamarketing.com.br/artigos/o-marketing-a-bordo-de-um-formula-1/
Outros Aspectos do Dinamismo do Marketing Atual
O Marketing de Influência e a Crise de Autenticidade
Influenciadores digitais tornaram-se intermediários entre marcas e consumidores, mas a comercialização excessiva está erodindo a confiança.
É revoltante ver conteúdo supostamente autêntico que é, na verdade, publicidade disfarçada. A mercantilização da autenticidade é um dos paradoxos mais perturbadores do marketing contemporâneo.
Omnicanalidade: Promessa e Realidade
A integração perfeita entre canais físicos e digitais é o santo graal do marketing moderno. Mas quantas empresas realmente oferecem uma experiência consistente e fluida?
A maioria ainda opera em silos, com equipes, métricas e estratégias desconectadas para cada canal. O resultado são jornadas fragmentadas que frustram consumidores e desperdiçam recursos.
A Velocidade como Inimiga da Profundidade
A aceleração dos ciclos de marketing está criando uma cultura de imediatismo que sacrifica estratégia, criatividade e reflexão crítica.
É alarmante como decisões estratégicas são tomadas com base em tendências efêmeras, sem tempo para análise, teste e aprendizado. O resultado é um marketing reativo, superficial e cada vez mais irrelevante.
*Falamos sobre isso neste nosso artigo: https://orcamarketing.com.br/artigos/a-impaciencia-que-custa-caro-por-que-muitos-empresarios-desistem-do-marketing-antes-do-retorno-aparecer/
Conclusão: Por um Marketing mais Autêntico e Estratégico
O dinamismo do marketing atual é inegável e irreversível. A evolução acelerada dos conceitos de Kotler, a revolução da IA e o poder dos dados estão transformando a disciplina de maneiras profundas.
Mas é precisamente por isso que precisamos ser mais críticos, mais exigentes e mais comprometidos com os fundamentos que fazem do marketing uma disciplina estratégica e não apenas um conjunto de táticas desconexas.
O verdadeiro marketing não se resume a ferramentas, plataformas ou métricas. É sobre compreender profundamente seres humanos, criar valor genuíno e construir relacionamentos duradouros baseados em confiança e troca de valor.
Em um mundo de marketing superficial e oportunista, a autenticidade, a estratégia e o compromisso ético não são apenas diferenciais – são imperativos para a sobrevivência e relevância da disciplina.
É hora de resgatar o marketing como ciência estratégica, integrando o melhor da tecnologia com o melhor da humanidade. Só assim poderemos navegar o dinamismo atual sem perder nossa bússola ética e estratégica.
*Fonte: https://livrista.com.br/autores/philip-kotler/cronologia
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